Resultados preliminares mostram que apenas metade das gestantes com sintomas tem sido testada nas maternidades participantes
Um grupo de professores e pesquisadores da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), que lidera a partir do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) da Unicamp uma rede brasileira de estudos em Saúde Reprodutiva e Perinatal, vai coordenar um estudo simultâneo em várias maternidades do país sobre os impactos da COVID-19 na gestação, a convite da Organização Mundial da Saúde (OMS). Além do Brasil, pelo menos outros seis países vão participar da pesquisa: Argentina, Chile, Índia, Bangladesh, Irã e Quênia.
Desde o início da pandemia, os pesquisadores dessa rede – que existe há mais de 12 anos e reúne quase 30 maternidades de todo o país, a maior parte delas ligada a universidades – já vinham coletando amostras e dados para tentar entender como o novo coronavírus pode afetar gestantes e recém-nascidos, iniciativa batizada de Rede Brasileira em Estudos da COVID-19 em Obstetrícia (Rebraco). A primeira fase do estudo contou com recursos do Fundo de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão (Faepex), da Pró-Reitoria de Pesquisa da Unicamp, e de outros editais e agências de fomento, permitindo o acompanhamento de gestantes e coleta de dados em 16 maternidades da rede ao longo de 2020.
Agora, os pesquisadores vão contar com investimento inicial de 220 mil dólares da Organização Mundial da Saúde, montante que será utilizado principalmente para preparar as 10 maternidades e equipes selecionadas para participar da segunda fase do estudo, com foco na aplicação de um protocolo genérico elaborado pela OMS, que será adaptado à realidade de cada centro. A previsão é receber ao menos mais 800 mil dólares da Organização ao longo dos próximos dois anos, para poder acompanhar gestantes e bebês durante o pré-natal, o parto e o puerpério, isto é, o período de até seis semanas após o parto.
Apenas metade das gestantes com sintomas vem sendo testada
Entre os dados coletados na primeira fase do estudo, chama atenção que apenas metade das gestantes com sintomas de infecção pelo coronavírus vem sendo testada nas maternidades participantes. Segundo a professora Maria Laura Costa do Nascimento, uma das coordenadoras da pesquisa, o ideal seria, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde, realizar a testagem universal – isto é, testar todas as mulheres que internam para parto, independente da presença de sintomas. “A maior parte dos lugares só consegue testar casos internados, o que é um limitante para entender a prevalência da doença num grupo de risco como o de gestantes”, lamenta.
Até setembro do ano passado, entre as maternidades da Rebraco, apenas o Caism teve condições de realizar a testagem universal – hoje, somente outros três centros da rede foram habilitados e estão conseguindo fazer o mesmo. Para o professor José Guilherme Cecatti, que também lidera o estudo no Brasil, é notável que faltem testes para centros universitários, enquanto continuam circulando notícias sobre a existência de testes perdendo a validade no país.
O cenário reforça ainda mais a importância e o impacto dos recursos que serão investidos pela OMS no estudo, que em boa parte serão revertidos para ampliar a testagem nas maternidades participantes. Como explica Maria Laura, será possível testar as gestantes em três momentos: no início do pré-natal, no terceiro trimestre da gravidez, e no parto. “Assim a gente vai ter uma ideia de quantas pacientes são positivas, e de quantas eram negativas e positivam ao longo da gestação. Essa é a oportunidade que a gente tem agora: de seguir as mulheres mesmo antes da doença”, reforça. Para isso, serão realizados tanto testes sorológicos, que indicam se a gestante já teve contato com o coronavírus em algum momento, como testes de PCR, que revelam a infecção ativa.
O protocolo da OMS envolve também a coleta de amostras, durante o parto, das gestantes que testarem positivo: a ideia é investigar a presença do vírus no cordão umbilical, placenta, líquido amniótico e outros materiais que serão armazenados para análise posterior. Outro diferencial da pesquisa será permitir acompanhar, ao mesmo tempo, grupos de gestantes com e sem COVID-19, a fim de comparar os efeitos da exposição ao coronavírus em longo prazo, metodologia chamada estudo de coorte.
O pesquisador Renato Souza, que também integra a equipe que coordena o estudo, destaca ainda o aplicativo que está sendo criado para melhorar o acompanhamento das gestantes, evitando deslocamentos aos centros de saúde e a exposição desnecessária ao vírus. “Na verdade é abrir mais um canal de comunicação com essas mulheres. A gente viu, como profissional da saúde e nos nossos levantamentos também, o quanto o cuidado acabou se afastando durante a pandemia”, explica.
Segundo o professor Cecatti, outros dois projetos relacionados ao estudo de coorte serão realizados pela rede com financiamento da OMS: um sobre as características do sistema de saúde, e outro que envolve uma análise qualitativa da experiência de gestantes, parceiros e profissionais da saúde durante a pandemia. “Todo esse conjunto traz certa maturidade profissional e científica ao grupo, que permite que a gente esteja alinhado com vários outros grupos de pesquisa, instituições de fomento e universidades ao redor do mundo, fazendo parcerias que são importantes não apenas do ponto de vista científico, mas também para a geração de um conhecimento em que o Brasil esteja envolvido”, destaca.
COVID-19 e gravidez: o que os cientistas já sabem
Segundo a professora Maria Laura, já é consenso que as gestantes fazem parte do grupo de risco para a COVID-19, isto é, que a gestação aumenta as chances de a mulher desenvolver um quadro grave da doença e precisar de terapia intensiva, o que costuma acontecer principalmente no terceiro trimestre da gravidez. É também aumentado o risco, em gestantes infectadas, de partos prematuros ou de indicação de cesárea, o que vale principalmente para os casos graves da doença. Já complicações como a pré-eclâmpsia (pressão arterial aumentada durante a gestação) ainda são objeto de debate entre cientistas, embora existam indícios de que o coronavírus ajuda a desencadear respostas semelhantes às da pré-eclâmpsia em sua forma grave.
Mas há também boas notícias. Os pesquisadores já sabem que a infecção pelo coronavírus não parece estar associada a um risco aumentado de malformação fetal, e também que a transmissão da doença da mãe para o bebê, a chamada transmissão vertical, se mostrou um evento possível, porém raro e geralmente sem gravidade para a saúde da criança. Também já foi constatada a segurança para a amamentação.
Por isso, enquanto os cientistas seguem na busca pelas respostas que faltam, a orientação para gestantes e acompanhantes é manter o pré-natal em dia, reforçar os cuidados preventivos e o isolamento social, e buscar atendimento médico mesmo quando os sintomas não aparentem estar relacionados à COVID-19.