Um círculo vermelho. Encontro de uma cor primária com a mais elementar das formas da geometria euclidiana. Apenas isso. Ou tudo isso.
Para os geômetras, um círculo é uma ideia abstrata sempre pronta para usar. Para que ele exista e esteja em discussão, basta que se diga: “um círculo”. E há artistas que empregam os círculos, quadrados e outras formas dessa mesma maneira, retirando-os de uma prateleira de ideias plásticas conhecidas e disponíveis. Para Tomie Ohtake, no entanto, um círculo precisa ser conquistado, traçado como se estivesse sendo feito pela primeira vez. Nas primeiras décadas de sua produção (anos 1950 e 1960), ele emerge aqui e ali, pontualmente, além de insinuar-se em algumas curvaturas e pinceladas; depois (décadas de 1970 e 1980), começa a aparecer pela metade, delineando trechos de formas e composições; em seguida (1990 em diante), torna-se mais e mais presente, englobando pinturas inteiras em uma miríade de texturas, vibrações, brilhos e contornos. O círculo – forma sintética que condensa infinitas associações (planetas, organismo, células, estrelas, espíritos, divindades, afetos…) – é seu destino.
O vermelho também se inunda de simbolismos. Em sentido estrito, poderia até ser o que enxergamos em determinado intervalo de frequências do espectro eletromagnético da luz, mas é muito mais, antes e depois disso. No Japão, onde nasceu Tomie Ohtake, vermelho chama-se “aka”, cujo ideograma alude à fogueira que arde em brasas.
No caso do Brasil, a nação deve seu nome à vermelhidão da madeira cujo pigmento assemelha-se ao queimar do fogo. Para a língua espanhola, vermelhidão tem relação com enrubescer: resultado do sangue que sobe à superfície da face em razão da intensidade dos esforços físicos ou das emoções. Uma cor, portanto, que se nomeia por analogias e metonímias do calor. Essa digressão acerca do teor evocativo da cor é pertinente à poética de Tomie Ohtake, pois para ela as cores sempre transbordaram o seu entendimento como fenômeno físico e visual.
Esta exposição é um ensaio sobre a capacidade de Tomie Ohtake de expandir o sentido das formas e cores mais elementares. Sua capacidade de – sem nomear ou descrever figuras específicas – permear suas pinturas e gravuras de uma enorme gama de sentidos evocativos.
Essa capacidade decorre da implicação do corpo e do gesto como veículos para o fazer artístico. Expande-se, ainda, pela gama de associações sinestésicas e simbólicas que nós, o público, carregamos em nossas memórias atávicas. Nesse enlace, a pesquisa pictórica de Tomie Ohtake, eminentemente abstrata, trança, mesmo em imagens aparentemente similares como as aqui reunidas, um variado repertório de atmosferas que abrangem do calor à imensidão; do silêncio ao erotismo.
Um círculo vermelho. O óvulo e a supernova. O começo e o fim.
Paulo Miyada
Fonte: https://www.institutotomieohtake.org.br/exposicoes/interna/tomie-ohtake-brasa-rubor