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Roger Marzochi, do entresons.com.br ; arte de MTC

Carlos Althier de Souza Lemos Escobar, o Guinga, pode não ser reconhecido pelo grande público. Paciência. Problema dele que não é. Há pouco tempo, vejam, reconheceram um planeta com quatro sóis. Coisa inédita, belíssima pela figura, mas talvez infernal para quem possa lá viver. E, quiça, já tenha algum habitante daquele brilhante planeta recebido pelo espaço ondas sonoras de terraquios-fãsde Guinga e, portanto, já conheceu aquele que é um cara infernal, dono de harmonias estelares e letras hipnóticas que entrelaçam o popular ao erudito até na voz. Ele está nos Estados Unidos, na Europa. E foi ovacionado pelo seu público, mas não trilhou o caminho do sucesso financeiro. Aqui em setembro ele recebeu R$ 80 do Ecad por direitos autorais. Faz workshops em qualquer lugar, mesmo sem falar inglês, porque ele acredita que há uma comunicação possível. Está viajando o mundo levando para o exterior um carioca muito liso, mas com complexo de inferioridade. Como pode vir de um artista tão premiado pela sua obra?

Um dos infernos de Guinga, entre vários outros, é o complexo de inferioridade. No dia seguinte ao show que ele fez com a cantora italiana Maria Pia de Vito no Sesc Vila Mariana, no dia 19 de outubro de 2012, Guinga mostrava muita inquietação durante workshop realizado na Casa do Núcleo, em São Paulo. “O público gostou muito. Mas eu saí de lá completamente flat. Não por ela, mas por mim. Parece que não consegui passar a emoção, não sei. O público aplaudiu à beça, a reação do público não tem nada a ver com a reação que vai dentro de quem tem consciência. Há concertos em que você sai consagrado pelo público e você se sente assim. Eu ontem toquei o melhor que eu sei tocar. Não teve um erro, um senão, eu achei que toquei como tinha que tocar, mas eu não me emocionei, o concerto inteiro. Aconteceu um lance técnico que eu fiquei com vergonha. Foi grave prá mim, mas ninguém percebeu.”

Essa sensação o fez pesar no bate-papo sobre as suas “derrotas”, que em sua visão estão quase sempre relacionadas à sua sensação de não ter transmitido a sua música, embora o público o tenha aplaudido. “Às vezes é mais fácil falar de suas derrotas, sabia. Porque também ficar computando só vitória é um pouco monótono. Eu fui dentista por 31 anos quase. Música como trabalho, sem envolvimento de emoção, é igual a arrancar um dente, não tem diferença.”

Autoditada, ele foi influenciado pelo pai desde pequeno, a quem atribui sua veia artística. “Em 35 anos de convivência com meu pai eu conversava muito com meu pai, como eu gostava de ouvi-lo contando um caso pela centésima vez. Que sensibilidade musical ele tinha. Ele se separou da minha mãe quando eu tinha 7 anos de idade e eu não conseguia ficar muito longe dele.”

Apesar de durão, até por ser sargento da Aeronáutica e lutador de boxe, o pai de Guinga o acordava no beliche do quartel em Realengo, onde muitas vezes ele passava a noite após a separação de seus pais, só para ouvir como era bela a música do toque de silêncio, o que ele lembra com muita emoção. “Ele investiu na minha alma. Ele era enfermeiro, trabalha no hospital em realento. Quando ficava de sábado para domingo eu ia para o quartel e dormia no quartel. Eu fiz muito isso. Isso foi uma das coisas mais emocionantes que eu fiz na minha vida. Eu não sabia o quanto isso ia nortear a minha música. Agora, o que vou falar é sério e profundo. Eu com 7 anos de idade, dormia cedo. Imagina um alojamento de sargentos, com 50 beliches, só eu e meu pai ali dentro. Apagava luz, eu dormia. Jantava e dormia. Muitas vezes meu pai ia conversar com o porteiro lá fora eu acordava sozinho no alojamento eu ficava com um medo terrível. Mas o que meu pai cansou de fazer: eu dormindo, meu pai me acordava, e dizia ‘Guinga, ouve isso meu filho. Isso é muito bonito’. Sabe o que era? O toque do silêncio. O corneteiro tocando o toque do silêncio”, diz, muito emocionado pela lembrança. “Eu até hoje quando ouço o toque do silêncio eu choro. Primeiro porque lembro esse episódio da minha vida, segundo porque tem muita arte no toque do silêncio. Você imagina o cara anunciar o silêncio, dentro de um quartel? Depois disso você não ouve uma mosca passando. Eu achava chato meu pai me acorder para ouvir aquela corneta, mas hoje ela está aqui dentro.”

Com horror à partitura, seu método para tocar violão e compor é sentar a bunda bronzeada do Leblon para ouvir e criar. “Eu preciso de horas, dias, nada sai facilmente. Às vezes sai. A inspiração é uma faísca. Eu acredito muito na inspiração, muito. Sem inspiração não existe arte. Agora tem que trabalhar muito. Tom Jobim ficou 15 anos para fazer ‘Passarim’. A minha música ‘Choro pro Zé’ (Guinga e Aldir Blanc), feito imaginando a performance do Paulo Moura tocando. Fiz a primeira parte dessa música. E levei 14 anos para fazer a segunda parte. E acredito em muito em estímulo. Tem gente que tem um câncer e vai comprando logo a sepultura, porque diz que já vai morrer. E outro que diz não, vou me matricular não sei aonde porque vou viver e vou aprender inglês, e vou passar por isso. É a disposição da pessoa na vida. Isso conta muito. Vida é estímulo.”

Apesar de já ter feito parceria com Elis Regina, Guinga era um dos dentistas mais sonhadores do País, lançando seu primeiro disco aos 41 anos, na década de 90, o que o alçou como grande compositor, violinista e cantor. Mesmo falando de suas “derrotas”, ele amenizada a gravidade de seus perrengues lembrando de vários casos. “Vaiado, graças a Deus, nunca fui.” Mas recorda-se, por exemplo, que em um show com Hermeto Pascoal em 1987 ele foi até muito bem recebido pelo público no Circo Voador, no Rio, mas conta que após o som com o bruxo, ficou tocando sozinho no palco até ouvir de alguém na plateia: “Aí irmãozinho, dá para levar a saideira?” “Eu não tinha disco meu, não tinha feito show, mas o Hermeto ouviu minhas músicas e me convidou para participar do show. ‘Adorei suas músicas’, disse o Hermeto, que tinha acabado de conhecer. ‘Você é maravilhoso cara, quer fazer participação no meu show’ Fui né. Público do Hermeto né. Mandei lá, fui bem aplaudido, foi tudo legal. Hermeto vibrou, saindo comigo no colo vibrando. Aí eu me empolguei, o Hermeto saiu do palco. E ouvi essa frase (risos). É horrível uma frase dessas, pior que vaia (risos).” Esse foi o momento de maior aperto que já passou no palco.

Segundo ele, o público que vai aos seus shows em São Paulo é sempre vibrante. Para ele, São Paulo tem mais sede de arte que no Rio. “Fiz um concerto aqui muito emocionante, há muitos anos. Era um evento com muita coisa misturada, tinha pop, e eu precisando ganhar a minha vida, o meu dinheiro né. Na hora que entrei, fui rezando a Deus para dar certo. Quando eu entrei no palco, eu fui aplaudido de uma maneira que parecia o Michael Jackson. Eu não entendi nada. Mas me aplaudiram tanto que eu chorei antes de tocar. Sentei na cadeira e chorei. Foi no início da minha carreira. Eu devia ter uns três discos só.”

E com muito bom humor, revelando seus medos em uma conversa franca com dez pessoas que pagaram R$ 100 para ouvi-lo, lembra de um show em Messina, entre a Calábria e a Cecília, na Itália, quando tocou para uma plateia até então apática. “Lugar maravilhoso, casa cheia. Aí eu toquei a primeira (música) e, pouco entusiasmo. Toquei a segunda, toquei a terceira. Você começa a ficar nervoso.” Em certo momento, enquanto ele apresentava seu repertório, alguém pediu da plateia “te prego, canta ‘Águas de Março’!” Ao invés de enfrentar os italianos, ele aceitou o pedido. “Fui (e começa a tocar o violão no palco da Casa do Núcelo). E fui acompanhando eles cantando do jeito deles. Mudou tudo. E voltei a tocar minhas músicas. Se eu fosse bater de frente com o público, talvez fosse muito pior. Toquei ‘Água de março’ e parece que abriu a chave do baú da felicidade e deu tudo certo. Não foi uma maravilha, mas poderia ter sido um desastre.”

A relação com o público depende do dia, da sua autoestima, explica. “Tem artista que acredita no que faz, que acredita muito. Esses artistas geralmente são mais bem-sucedidos no palco.” Mas você é um desses artistas? “Não. Eu acredito no que faço, mas nem sempre eu me sinto com a autoestima legal. Eu acredito na minha relação que eu tenho com a música. Acredito muito no que faço, muito. Mas de eu acreditar e os outros acreditarem tem uma distância. E você tem que passar convicção para o público. O João Bosco, por exemplo, é um gênio. Ele faz às vezes um dó maior, a coisa mais simples que tem, mas ele faz de um jeito (e faz o gesto imitando o músico). Fica mais bonito (risos). Ele sente o que está fazendo. Gilberto Gil e João Gilberto também são assim. Às vezes eu me sinto uma merda total, e todo mundo acha que sou uma merda também.”

Por ser autodidata, ele teve momentos de baixa autoestima quando tocou com músicos um tanto quanto arrogantes. Como em 2001 no festival Guitar Night, em São Francisco, quando ele fez uma série de apresentações com o guitarrista francês Pierre Bensusan. “O cara é um gênio, ouvido absoluto. Toca numa afinação completamente diferente. E nesse evento a gente é obrigado a fazer duos, e depois, tocar todo mundo junto. E a gente tem um período de uma semana para ficar ensaiando. E eu não sei ler música, sou analfabeto. Música comigo é só aqui (mostra o coração) e aqui (o ouvido). E eu estava tentando aprender a música do cara e tinha uma dificuldade, porque a afinação dele era diferente. Eu olhava para a mão dele e não sabia o que ele estava fazendo. Aquilo me confundiu a cabeça, me deu um emburrecimento. E ele perdeu a paciência comigo. Começou a me tratar mau. Ele fazia o acorde e a escala do acorde para eu entender o que era, sabe, mas já meio sem paciência comigo. Ele devia estar pensando que eu era uma topeira musical. Eu sofri e minha autoestima ficou deste tamanho, o cara era um virtuoso, mas arrogante sabe. E esse cara meio que massacrou minha autoestima.”

No último dia de apresentação, ele acordou com a música do cara toda na cabeça e entendeu que, o que parecia tão complexo, era na verdade muito simples, e fez o melhor que pode no palco. “Eu via a música passando na minha frente. Falei, meu Deus, é isso! É muito mole (risos)! Cheguei no ensaio já, sabe. Nunca mais esqueço disso. Ele foi no primeiro concerto, ele queria ser o último no palco, vaidoso prá caramba. Nesse concerto, aconteceu negócio muito legal. A segunda música que eu toquei o público todo se levantou, aplaudiu em pé. E eu vi que a estrutura do cara balanço. Eu um carioca, criado na malandragem do Rio de Janeiro, agora vou partir com meus dois pés juntos prá cima de você prá você aprender que também tenho vaidade, que sou ser humano, e que sou competitivo. Eu distrui. Toquei tudo que eu podia nesse dia. Acabou o show, eu vendi todos os discos que havia levado. Todo mundo queria tirar fotografia comigo e ele olhando. Foi uma vitória, eu adorei. Tem hora que o palco vira um Ultimate, vira negócio de briga mesmo.”

Guinga também se lembrou de um festival de música no sul do país onde estavam presentes violonistas como Yamandu Costa, Turíbio Santos, Ulisses Rocha, Luiz Carlos Borges, uma porção de monstros do Rio Grande do Sul. “Yamandu do meu lado. ‘Eu vou tocar com você’, disse (imitando o jeitão do músico). Ele devorou, tocou minha música muito melhor do que eu. E eu fui ficando piquinininho, piquinininho, eu quase não toquei. Ele tocou tanto que estourou a corda do violão. Nesse dia eu fiquei com medo de tocar. Yamandu do meu lado, e é muito violento quando ele toca. É um virtuoso, é um fonômeno.” Mas isso é uma derrota? “Se você não consegue fazer o que você sabe que pode fazer é uma derrota. Mas se você faz aquilo que você não consegue fazer melhor tá tudo certo. Você sai em paz com a consciência. Problema é quando você se apequena e faz menos do que pode.”

É interessante ouvir que um músico como o Guinga possa se sentir diminuído frente a outros músicos, sendo um dos maiores expoentes da música brasileira. O workshop, para ele, teve um efeito muito positivo uma vez que ele dividiu com todas suas frustrações, o que o deixou mais leve. Além disso, ele se encontrou com um público-fã de músicos e apreciadores da boa música a cantora Lucila Manzoli, que revela que queria ter sido uma Elis Regina quando jovem. Ela cantou, com Guinga ao violão, “Você, Você – Uma Canção Edipiana”, composição de Guinga e Chico Buarque, com muita emoção. E o cearense Pedro Martins da Fonseca, 29 anos, da banda Breculê. Com um impressionante swing, ele tocou no violão e cantou “Rio de Janeiro”, música de Guinga e Aldir Blanc que ele conheceu na versão da Elza Soares e “Concubinato”, de Guinga e Mauro Aguiar, que foi um presente para o carioca de confortar qualquer coração atribulado.

Pedro, aliás, já conhecia Guinga. Ele estudava em Boston quando foi a um show do músico na cidade. A paixão pela música do mestre foi tamanha que levou Pedro até a porta do quarto de hotel onde estava Guinga, em uma situação pouco explicada por ambos. “Eu sabia que você era familiar, mas em uma situação como essas, o melhor é esquecer”, disse Guinga às gargalhadas diante de um garoto com um gorro à Egberto Gismonti.

Thiago, outro participante do bate-papo, subiu ao palco e cantou duas belas músicas autorais, enquanto Guinga estava de olho em seu violão para comprar. Deu dicas ao jovem de interpretação, mas deixou de lado a compra do instrumento, por causa de sua sonoridade aguda.

A conversa é tão franca, como se Guinga fosse já amigo de todos os ouvintes, que até revelou que sua filha, que é a coisa mais linda do mundo, às vezes se sente feia, passa por esses momentos de baixa autoestima. A reportagem do Entresons interveio, pedindo o telefone da moça para elevar o moral, mas não teve sucesso apesar da graça do interlocutor. “Tu vai ter que tocar saxofone para o marido dela primeiro. (risos!) Mas vai nessa, se der bem cara. Você é entrão mesmo hein cara. Eu gosto de genro assim (risos). Porque se não der certo com ela, quem sabe não dá certo comigo (gargalhadas). Mas você vai ter que malhar um pouquinho!”

Psicólogos consultados pela reportagem se negaram a deitar o caso de Guinga no divã argumentando sigilo médico. Mas a reportagem apurou que, além da baixa autoestima, Guinga é birrento como uma criança. Há dois anos ele não joga mais bola com Chico Buarque por causa de uma boba discussão em campo, momentos nos quais Guinga tinha mais contato com o ser humano Chico, com todas as suas manias e imperfeições, uma amizade que ele preza muito, com saudades até de ouvir o Chico perguntar, após dez anos de convivência: “seu café é com ou sem açúcar?”

A música de Guinga pode não tocar na novela. Ele pode não fazer shows que reúna multidões. Mas ele sempre será o planeta raro com quatro sóis. Se crise houver em sua sensação de não passar emoção para o público, coisa que a plateia nem pode acreditar nesse sentimento, isso talvez possa significar que novos sons estão para surgir de seu incrível universo.

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